Recentemente vivi ‘a lida’ do ir e vir pelas estradas do Mato Grosso do Sul. Lembrei dos tempos de outrora, nos idos de 1989 quando pisei nos campos encharcados do Pantanal pela primeira vez, trazido pelos trilhos e vagões que agora adormecem esquecidos em algum pátio qualquer. Através das janelas, meus olhos se perderam nas paisagens que corriam para trás, como um filme de galope invertido. Um galope de cavalo pantaneiro que não dá chance pra jacaré amuado.
Nos dias presentes encontrei os mesmos moradores; os lobinhos continuam a caminhar a passos ligeiros pelos campos, enquanto os focinhos das capivaras ondulam as águas metalizadas dos rios. Aves brancas, aos montes e sem o menor pudor, desnudam o céu numa chuva ascendente de asas. Jacarés ‘carapaceando’ as barrancas dos rios sob o amigo Sol, que continua a tocar o horizonte e se desmantelar em tons incorrigíveis de amarelo. Tudo parece continuar como o tempo da vida.
Mas a sonoplastia das araras parece que agora ecoa menos, ou será que os banhados encolheram?
Pois uma sensação estranha arremete; agora são mais estradas, mais campos monótonos e monopolizadores de grãos substituindo as cordilheiras e capões, mais tropas de ‘cavalos’ roncando motores. Agora o vento não sopra apenas brisas e cheiro molhado de mato em vida, mas também nuvens densas e avinagradas de (trágicas) mudanças.
Até mesmo os animais em passos parecem calados. Como se não bastasse a lida diária atrás de comida e fugindo de ser ela - a comida, os lobinhos, as capivaras, os tatus e tudo quanto é bicho dos campos agora tem de caminhar a passo ainda mais ligeiro pra fugir da tropa. Mas não a tropa de pantaneiros que trotam cavalos molhados. O que afugenta agora é aquela tropa que tem luz nos olhos, ronca para caminhar e solta nuvem densa do rabicó. E que não desvia nem perdoa.
Pantanal Sul Matogrossense, 2011