Inicio a história com a força dos Xavante amarrando meus punhos. Há décadas tenho seguido o movimento dos remos silenciosos cortando águas escuras. Lugar original, definido íntegro e puro por si só, onde não há contatos ilusórios ou digitais. O que há é real, é tocável, é cheirado à fumaça densa de lenha queimada. Lá a energia vem do olhar forte de um povo guerreiro, da luz amarelada do candiero, da brincadeira ingênua e infantil das gerações futuras. Em outros cantos, nas rabetas que cortam igapós e igarapés está a sabedoria empírica dos povos ribeirinhas; nos tachos quentes o calor amarelado da sobrevivência e da farinha. Nas matas ainda primarias as aves ensurdecem as réstias de sol. Nos campos devastados pela ganância branca, num mar verde e monótono surge a necessidade ávida em relembrar os entes, passados. Mas devem os brancos lembrar que se não mantem a história, não se cria futuro.
Já não me basta apenas o registro, a fixação do momento na imagem que já não é o que foi visto. Ou se um dia assim foi, brota agora o desejo incondicional do desapego. Pois é fugaz a imagem sem o aprendizado, é volátil sem o compartilhar.
A vida está ai, no Calcanhar de Aquiles, disto e daquilo que já não sabemos se existirá ou não. E aos incautos que insistem em blasfemar que tudo acaba, percebam que o fim é só o recomeço num outro estado daquilo que deixou de ser. A recriação começa se algo finda. Simples.
Findo as palavras com a força dos Xavante nas entrelinhas desta tão humilde retratação. Sentir a cena antes do gesto incondicional de registrar. Ou só olhar. E quem sabe, num momento lúcido de ser, o ver.